MEU ANALISTA É UM FILÓSOFO

MEU ANALISTA É UM FILÓSOFO

As lições dos grandes pensadores também podem nos ajudar a compreender – e superar – os problemas da vida moderna. A seguir, o especialista Lúcio Packter apresenta a Filosofia Clínica e explica as vantagens desta terapia

 

Texto • Carine Portela

A partir das ideias de grandes filósofos, fica mais fácil entender os enigmas da existência, refletir sobre as dúvidas que tocam a alma e, por que não, superar males do mundo moderno, como a ansiedade e a depressão. Parece bom demais para ser verdade? Pois é nessa crença que se baseia a Filosofia Clínica, terapia criada pelo filósofo gaúcho Lúcio Patcker no final dos anos 80. Inspirado pela Filosofia do Aconselhamento (desenvolvida em 1981 pelo alemão Gerd Achenbach), Patcker delineou os princípios básicos de um tratamento que tem como objetivo solucionar conflitos emocionais por meio das lições dos maiores pensadores da história da humanidade. “Trata-se de uma terapia em que, a partir da história de vida de cada pessoa, pesquisamos os procedimentos mais adequados para contornar cada situação. Tudo isso, claro, levando em conta os ensinamentos da filosofia.”, esclarece o especialista. A seguir, Lúcio Patcker conta mais sobre as inúmeras possibilidades e particularidades dessa singular terapia.
 

Como atua o filósofo clínico?

O atendimento é bastante simples, ainda que muito trabalhoso. O primeiro passo é investigar a historicidade do paciente, ou seja, tudo aquilo que ele viveu, do nascimento até o momento em que ele entra no consultório. A partir deste inventário, nós passamos a enxergar o paciente com um “olhar filosófico”. É aí que entra a filosofia acadêmica e seus diversos aspectos, como lógica, linguagem e reflexão. Cada pessoa trabalha cada um desses aspectos de forma muito particular, por isso mesmo, cada tratamento é único. O filósofo nunca vai analisar um paciente com base em conceitos prontos, estereotipados.
 

Existe alguma contra-indicação para o tratamento?

Um aspecto muito importante da filosofia clínica é a interdisciplinaridade. Nós trabalhamos sempre em equipe, em parceria com médicos, psicólogos e psiquiatras. Muitas vezes, quando uma pessoa entra em depressão, o problema dela não é existencial, mas sim físico. Pode ser sintoma de uma disfunção hormonal ou de outra doença mais grave, por exemplo. Nesses casos, ela é encaminhada ao tratamento adequado.
 

A filosofia clínica trabalha com a ideia de que a reflexão pode curar os males do mundo moderno, como a angústia, a ansiedade e a depressão?

Nem sempre é a reflexão que traz a cura. Isso depende da estruturação interna de cada paciente. Algumas pessoas não querem desenvolver reflexões, elas querem simplesmente ter seu problema resolvido. Outras, não aceitam aconselhamento, pois sentem como sentem como se isso fosse uma invasão. Há ainda quem goste de refletir na forma de um diálogo. Tudo isso nós detectamos a partir da história de vida de cada paciente. Aos poucos, vamos descobrindo o que vai trazer a cura: se é a reflexão ou outro tipo de abordagem.
 

Quais as principais diferenças entre a filosofia clínica e a terapia tradicional?

Muitos chavões da terapia caem por terra com a filosofia. Sabe aquela idéia de que nós temos de enfrentar todos os nosso problemas? Pois a filosofia clínica não concorda! Há pessoas com problemas tão complexos, que não há a menor chance de enfrentá-los. Outro chavão que cai por terra é a idéia do “conhece-te a ti mesmo”. Ora, muitas pessoas não estão interessadas em refletir sobre si mesmas! Acham isso uma grande bobagem, uma pesquisa estéril em torno do próprio umbigo. Para a filosofia clínica, isso não é nenhum problema.
 

Então uma viagem de autoconhecimento nem sempre é necessária?

Exatamente, cada caso é um caso. Se você procura um médico por causa de uma dor de ouvido, você pode não querer que ele te explique sobre o funcionamento do ouvido e seus mecanismo de interação com o cérebro. Da mesma forma, há pacientes que chegam no consultório depressivos e, tudo o que eles querem, é ter seus problemas resolvidos. Na verdade, a maioria vem com uma queixa específica, como um filho que está usando drogas ou um casamento que terminou, por exemplo.
 

De que outras maneiras, que não o convite à reflexão, pode se desenrolar o tratamento?

Cada ser humano é único. Algumas pessoas, quando são machucadas, em vez de se abrir, se fecham como um animalzinho ferido. Outros pacientes preferem seus problemas por meio de diálogos. Há ainda aqueles que só admitem o uso da lógica e da razão. E aqueles que apostam tudo no coração e na intuição. A reflexão é só uma das infinitas maneiras de resolvermos nossos problemas. Em vinte anos de consultório, eu nunca vi dois casos iguais.
 

Durante o tratamento, o paciente acaba aprendendo sobre filosofia?

Só se ele tiver interesse. A filosofia é a base de todo o tratamento. No entanto, nem sempre citamos autores ou explicamos conceitos filosóficos. A maior parte das pessoas que atendemos não têm o menor vínculo com a filosofia. Se eu começar a falar de Kant, Schopenhauer, Hegel... eles vão embora! Mas é claro que algumas pessoas se interessam, pedem indicações de livros e discutem filosofia mesmo.
 

Quanto tempo dura o tratamento?

De seis meses a um ano, mas não há uma regra. Às vezes, isso se prolonga. Em outras, é bem mais abreviado.
 

Qual é a formação do filósofo clínico?

Depois de fazer a graduação em filosofia, que leva quatro anos, é preciso fazer, no mínimo, dois anos de pós-graduação, com especialização em filosofia clínica. Durante esse tempo, também é obrigatório fazer um estágio e, depois de tudo isso, passar pela avaliação rigorosa de uma comissão. Hoje, apenas 10% dos estudantes que iniciam esse processo conseguem chegar ao consultório. Para ser um filósofo clínico, é preciso ter vocação.
 

Vá além

Para saber mais sobre a Filosofia Clínica e o trabalho de Lúcio Patcker, visite o site www.filosofiaclinica.com.br ou ligue para (51) 3330-6634. 

  Fonte: Triada.com.br