ENTREGUE-SE AO PODER DO SILÊNCIO
Seja para meditar, refletir ou apreciar uma paisagem, todos precisamos de preciosos momentos de silêncio para fazer um "diálogo interno". Acredite: isso é garantia de desenvolvimento da consciência e da qualidade de vida
Texto • Renata de Salvi e Renata Rossi
Ajeite-se na cadeira. Mantenha a coluna ereta. Feche os olhos. Inspire e expire. Concentre-se em sua respiração. Sinta como o ar entra e sai por suas narinas. Procure não pensar em nada. Relaxe. Deixe de lado os sons, os problemas e o ambiente que o cerca. E se os pensamentos vierem, apenas não os desenvolva. Tente ficar assim por alguns minutos. Faça uma respiração mais profunda. Lentamente, pisque e abra os olhos. Volte a perceber as coisas à sua volta. Conseguiu?
Então seu corpo deve ter ficado mais relaxado e leve, sua respiração mais tranquila, a tensão foi embora, seu coração bate num ritmo agradável e você acredita que nada mais pode tirá-lo do sério. E mais: os pensamentos estão mais claros e as respostas são encontradas com facilidade. Pode parecer estranho, mas nesse tempo você conseguiu ficar sem pensar em nada. O que tomou conta de sua mente não foi o celular tocando, as pessoas falando ou problemas do cotidiano. Foram breves instantes em que sua mente foi invadida pelo mais simples e absoluto silêncio.
Embora seja tão necessária para o bem-estar, essa sensação de leveza e relaxamento nem sempre é experimentada pelas pessoas. O problema é que, para não renunciar a qualquer outra atividade do dia a dia, a desculpa é sempre a mesma: não há tempo. Mas, assim como o ditado ensina, nosso tempo somos nós quem fazemos. Antes, havia espaço no dia para contemplar a paisagem e apreciar o contato com a natureza, por exemplo; hoje, nesse mesmo intervalo de tempo, as pessoas estão presas no trânsito, mergulhadas na correria.
Um tempo para você
Reservar um tempo para ficar consigo mesmo sempre fica para depois. Um depois que nunca chega. Afinal, há outras prioridades: trabalhar, estudar, assistir televisão, ler os mais diversos jornais e revistas, namorar, sair às compras... Uma rotina tão atribulada que esgota os mais otimistas. Na sociedade da informação, ficar parado é perder tempo e, como tempo é dinheiro, “correr” é necessário para garantir a sobrevivência.
Silenciar significa buscar o autoconhecimento. Segundo Márcia De Lucca, fundadora do Centro Integrado de Yoga, Meditação e Ayurveda (CIYMAM) e consultora de ayurveda, a ansiedade, sintoma que resulta das imposições da sociedade, faz com que as pessoas fiquem em torno do próprio eixo e não tenham metas ou objetivos além do que é material. “O que as pessoas precisam fazer é vivenciar o momento presente, prestar atenção em cada detalhe do que se faz e, dessa forma, aquietar a mente”, conclui.
Não é impossível parar por alguns instantes e simplesmente ficar em silêncio, contemplando as pequenas coisas da vida, refletindo ou meditando sem pensar em nada. Basta tornar isso parte da rotina, inserir a tarefa na agenda como prioridade, nem que seja necessário abrir mão de outra atividade, ao menos por dez minutos. Esse é o caso de Angélica Rosa Cervi, professora de yoga e mãe de dois filhos, de 9 e 11 anos, que concilia o trabalho, o estudo, o lazer e a criação dos filhos com momentos de introspecção. “Encaro essa pausa como uma das tarefas diárias porque ela é de extrema importância para nosso desenvolvimento. Por exemplo, hoje reservei alguns minutos da minha tarde para meditar enquanto meus filhos brincavam no quintal. Atualmente, as pessoas alimentam o corpo, mas se esquecem de alimentar a alma”, avalia.
Equilíbrio e ação
O costume de estar sempre correndo de lá para cá vem da infância. Somos acostumados a falar mais e ouvir menos. A palavra dita pela primeira vez é comemorada, enquanto os primeiros instantes de silêncio passam despercebidos. E isso prossegue ao longo da vida. Mesmo que o calar seja sinal de tristeza, angústia ou de sentimentos que impulsionam as atitudes, o silêncio é capaz de estimular um balanço de nossa vida, faz com que reordenemos nosso destino, tomemos decisões importantes e coloquemos em foco nossos verdadeiros interesses. Mas, para isso, é preciso coragem para entender as próprias sensações com o compromisso de não recalcar, nem julgar. Ao colocar a casa em ordem, é preciso tomar decisões e se cobrar por mudanças, por isso ficar em silêncio – ou manter um diálogo interno – nem sempre é agradável.
O silêncio é também uma forte forma de expressão. Tem o peso que a palavra não tem – define, declara, esclarece. Sem proferir uma palavra é possível determinar a ação de outra pessoa ou mesmo transmitir um sentimento ou ponto de vista. Basta um gesto repleto de significado. “O diálogo interno que acontece quando decidimos aquietar a mente e fazer uma reflexão é mais proveitoso do que horas de conversa vazia”, defende Dulce Critelli, professora titular de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e terapeuta existencial, técnica que utiliza a filosofia como ferramenta para conduzir as pessoas ao autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.
Busque seu silêncio
Cada um tem sua maneira de tranquilizar a mente. Há quem o faça observando as ondas do mar, de olhos fechados, abertos ou concentrando-se em um objeto, no próprio corpo ou na respiração. Em comum, todas essas alternativas têm o mesmo objetivo: encontrar o silêncio interno e, a partir daí, desenvolver o autoconhecimento e gerar reflexão.
No livro Sobre o silêncio (Editora Pulso), de Andréa Bomfim Perdigão, o psiquiatra e psicoterapeuta Marco Antonio Spinelli mostra um detalhe importante (e mal compreendido) sobre aquietar a mente: “Sempre se achou que meditação serve para buscar a tranquilização, a paz, a redução do estresse pelo relaxamento. (...) O relaxamento é uma consequência, mas não o objetivo. É certo que você precisa de alguma quietude interna para sua consciência poder se expandir, assim como para tomar decisões em horas difíceis da vida”.
Foi em busca desse silêncio interno que Sylvia Freire conheceu o yoga. Com a prática, ela passou a reservar algum tempo para si, em meio a uma rotina de até 12 horas diárias de trabalho como publicitária, além de cumprir o papel de mãe. A experiência foi tão positiva que Sylvia chegou à conclusão de que esse aquietamento era o que ela queria para sua vida. Resultado: deixou uma promissora carreira na área de publicidade para se dedicar exclusivamente ao yoga. Estudou, pesquisou, fez diversos cursos e, agora, dedica-se a dar aula – uma grande realização. “A satisfação da minha vida é poder conduzir as pessoas ao estado de introspecção e, com isso, ao despertar. Mostrar para as pessoas como chegar ao silêncio interno é o que mais gosto de fazer”, explica.
Qualidade de vida
É fato que a sociedade mudou. Atualmente, todos são submetidos a muito mais informações do que são capazes de absorver. Vivemos à sociedade do superestímulo. De acordo com o dr. Rodrigo Rizek Schultz, professor titular de neurologia da Universidade Santo Amaro (Unisa), nosso corpo continua o mesmo, mas nossa mente dá claros sinais de mudança. Estamos mais ágeis, conseguimos fazer diversas coisas ao mesmo tempo, mas pagamos um preço por isso: o estresse. E, com ele, desenvolvemos inúmeras doenças, além de perder a qualidade de vida.
Com o corpo e a mente sob intensa pressão e sendo estimulados o tempo todo, o organismo passa a produzir e liberar mais e mais cortisol, o hormônio do estresse, além de altas cargas de adrenalina e noradrenalina, neurotransmissores que atuam na musculatura cardíaca e no metabolismo, de forma a acelerá-los e deixar o organismo em um estado de alerta, pronto para reagir. O sistema imunológico fica debilitado, o que torna a pessoa mais predisposta a vários tipos de doenças, das cutâneas às reumáticas.
Logo, ao seguir contra a corrente e fazer valer o silêncio interno, os benefícios são sentidos não apenas pela mente, que se aquieta e passa a ficar mais serena: “Com a mente tranquila, os níveis de cortisol caem significativamente, o que já é um grande benefício para o organismo”, explica o Dr. Schultz. Os órgãos são poupados do desgaste excessivo causado pelo estresse. E o médico vai além: “É nessa hora que entra em ação a endorfina, neurotransmissor relacionado à sensação de prazer. Altas doses dessa substância relaxam o corpo, a mente e, em graus mais elevados de concentração, podem fazer a pessoa chegar ao êxtase”, ressalta.
Nada mal para a saúde
Uma pesquisa publicada no Journal of Consulting and Clinical Psychology, da Associação Americana de Psicologia, mostra que as pessoas que meditam regularmente e são submetidas à terapia cognitivo-comportamental reagem de forma menos intensa às situações negativas. Já Herbert Benson, pesquisador que publicou um estudo no site do Instituto Body&Mind da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que aquietar a mente conduz à diminuição dos batimentos cardíacos, do consumo de oxigênio, do ritmo da respiração e do fluxo sanguíneo. Além disso, o estado de relaxamento profundo proporciona melhorias em pacientes com hipertensão, dores crônicas, infertilidade, tensão pré-menstrual e insônia. Nada mal para a saúde.
E, como diria a escritora Clarice Lispector, entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia, existe um intervalo de espaços... Então, por que não é possível que, entre uma ação e outra, existam breves instantes de silêncio no dia a dia?
Fonte: Triada.com.br