A noiva, mais do que ela mesma – jovem que se casa – representaria a mulher cigana, encarnando portanto, simbolicamente, todas as mulheres, e seu papel de guardiãs da tradição, cultura e identidade do grupo. Isto pode ser melhor compreendido se colocarmos em oposição algumas das atribuições referentes aos papéis que homens e mulheres desempenham no interior da cultura cigana.
Tomemos como exemplo, no ritual de casamento, o momento da compra da noiva, quando um aspecto importante da cultura cigana é reafirmado. Mesmo eventualmente sendo apenas simbólica, a cerimônia significa que o poder de formar as famílias – o casamento arranjado – é uma atribuição dos pais e, mais precisamente, dos homens. Cabe aos jovens submeterem-se a eles. O casamento acontece sob o signo da autoridade dos pais, da tradição, e apresenta o poder masculino da decisão, em contraponto ao poder feminino que será celebrado a partir de então. A notar que a compra da noiva é um negócio, atribuição normal e cotidiana dos homens.
Sabemos que, entre os ciganos, na maioria das vezes, é o homem o responsável principal pelo sustento da família – em atividades de comércio, artesanato ou indústria. Isso significa que a ele cabe o contato, ao nível da atividade econômica, com a sociedade dominante, pois os grupos ciganos não são auto-sustentáveis. Ao exercerem o seu trabalho, não lhes é conveniente apresentar-se como ciganos, devido aos preconceitos que freqüentemente envolvem sua imagem – sabemos de vários ciganos que ocultam sua condição étnica: enquanto participam da sociedade cigana, não admitem aparecer publicamente para os não-ciganos como tal. Seria uma atitude de defesa, para não se sujeitar aos temores e desconfianças dos não-ciganos.
O homem cigano teria, portanto, o papel de, com relação à sociedade dominante, apresentar-se ao nível de relações concretas, materiais, assegurando a subsistência da família. Com relação à própria comunidade, ocupa o lugar tradicional de uma sociedade patriarcal – representa a autoridade, a decisão: é, de muitas forma, o senhor dos destinos, ao qual a mulher deve se submeter.
À mulher, por sua vez, cabe o papel de se relacionar simbolicamente com as sociedades dominantes, carregando no próprio corpo a imagem que afirma e garante a sobrevivência do grupo, não mais no nível estritamente material: ela é sempre a cigana, identificada como tal, que aparece como a senhora da magia e dos mistérios, marcas da cultura a que pertence. Em seu próprio corpo carrega os principais valores e expectativas do grupo: virgindade/fertilidade, fidelidade às tradições. Seu papel, que será exaltado na festa de casamento, tem duas dimensões: assume a responsabilidade tanto pela reprodução física do grupo como por sua reprodução simbólica.
Observamos então que a festa de casamento em si apresenta-se como a celebração da mulher, dessa vez expressa no corpo não de todas as mulheres, mas daquela que as simboliza – a noiva. Do branco usado na igreja ao vermelho do segundo dia do casamento, a transformação que ocorre significa a trajetória que deve ser aquela de todas as mulheres ciganas. A tradição do branco ao vermelho significa o fim da virgindade e o início das responsabilidades de mulher, através da modificação operada no seu próprio corpo: hímen rompido ao qual corresponderão as camisas rasgadas no segundo dia; e através das marcas que carregará na mente: os rituais em torno desse acontecimento – a espera e a exibição do sangue.
A cor vermelha, a mesma que significa o sangue do fim da virgindade, é a cor, segundo as próprias ciganas, essencialmente cigana. Significa alegria, virgindade, fertilidade, sorte – tudo de bom. É a cor presente em todo o segundo dia do casamento –vestes da noiva, flores, bandeira, decoração – quando a menina se tornou oficialmente portadora da identidade cigana. Isto já a espera há muito tempo. A broska, com a qual as famílias celebram o noivado e o casamento de seus filhos, já vem envolta num pano vermelho, que a noiva usará ao assumir sua condição de cigana (e que será o seu primeiro lenço de casada).