OS HOMENS SAGRADOS DA ÍNDIA

OS HOMENS SAGRADOS DA ÍNDIA

Eles causam estranhamento por sua aparência exótica e impressionam com seu intenso comprometimento à causa espiritual. Saiba mais os sadhus, hindus que vivem exclusivamente para meditar e, assim, evoluir

Texto • Thiago Perin
Fonte: Triada.com.br


 

Eles vagam pelas ruas da Índia, não têm família, dinheiro, trabalho ou residência fixa. Vivem apenas das doações de pessoas com as quais cruzam pelo caminho. Em geral, seus cabelos são torcidos em longos dreadlocks e a barba que ostentam pode chegar até a cintura. Seus corpos estão quase sempre cobertos por tecidos de aspecto vibrante, ou então por cinzas ou pinturas de tinta colorida – mas não é incomum vê-los usando apenas uma pequena tanga ou mesmo completamente nus.

Esses curiosos personagens são os sadhus, os chamados “homens sagrados” da Índia. Dispostos a seguir um ideal religioso, eles abandonam todas as convenções da vida moderna para se dedicarem ao engrandecimento espiritual, tendo como principal ferramenta a meditação diária, profunda e comprometida.

Simbolizando o que há de mais extremo quando se fala em renúncia, os sadhus ocupam um posto único na sociedade hindu, particularmente em vilarejos e pequenas cidades, onde as tradições antigas são mais presentes. Eles são considerados encarnações do divino, imagens do que a vida humana, na visão hinduísta mais tradicional, representa de verdade: iluminação religiosa, livre do ciclo usual de nascimento e morte.

O próprio termo sânscrito “sadhu” é bastante rico, podendo ser traduzido como bondoso, compassivo, correto, disciplinado, honrado, nobre, virtuoso e mais uma série de adjetivos semelhantes. A raiz da palavra, “sadh”, forma o verbo “sadhati”, que significa conquistar, vencer, ser bem-sucedido.
 

Meditação constante

Os sadhus são praticantes da meditação transcendental e do yoga, além de se dedicarem a diversas rotinas religiosas próprias da classe. Uma das principais é o ritual do banho matinal, sempre às quatro horas, nas águas geladas de um rio ou lago próximo. Após a lavagem, eles se juntam ao redor de uma fogueira e iniciam o dia com uma série de preces e meditação conjunta.
 


 

Apesar de existirem semelhanças entre eles, os costumes e estilo de vida dos sadhus são bastante variados. Alguns vivem por anos completamente sozinhos em montanhas ou cavernas isoladas da civilização, enquanto outros andam o tempo todo com um dos braços levantado, sem nunca abaixá-lo, ou então permanecem sem pronunciar uma única palavra por décadas – tudo como prova de seu comprometimento. Há, ainda, os sadhus que moram em ashrams e templos nos grandes centros urbanos e também os que vivem em procissões eternas, indo de um local religioso a outro, sem nunca se estabelecerem em um ponto.

Parte deles – porém, diferentemente do que se costuma dizer, não todos – têm por hábito o consumo religioso da maconha. Quando fumam, diz-se, eles contemplam a natureza cósmica e a presença de Deus nos desenhos formados pela fumaça que sai dos cachimbos. A erva é proibida por lei na Índia, mas a polícia não persegue os homens sagrados, devido a seu status de quase divindades na sociedade indiana.

Por esse mesmo motivo, sadhus não pagam passagem nos trens ou ônibus locais e muitas vezes atuam como curandeiros em suas comunidades, removendo energias ruins e abençoando casamentos.
 

Escolha de vida

Tornar-se um sadhu não é um caminho fácil. O estágio da dedicação total à iluminação é considerado a quarta fase da vida do homem hinduísta, aquela em que se atinge a maior profundidade espiritual entre os humanos. A partir do momento em que o indiano decide tornar-se um sadhu – escolha que pode ser feita tanto por um adolescente quanto por um homem mais velho, por vezes até mesmo casado e com família constituída –, ele precisa renunciar a todos os bens materiais e também ao convívio com os familiares.

Nesse processo, o futuro sadhu deve encenar e comparecer ao próprio funeral, um ritual simbólico que representa a morte do homem anterior e o nascimento do ser iluminado. Até mesmo nos registros oficiais do país, o cidadão, a partir da conversão, passa a ser considerado legalmente falecido.

Após os rituais de iniciação, o sadhu pode ficar anos servindo um outro membro da classe, alguém mais experiente, que se transforma em seu guru. Durante esse período, o aprendiz é submetido a tarefas desafiadoras e, por vezes, humilhantes, até que esteja pronto para seguir seu caminho por conta própria. 
 


 

Carinho, abandono, charlatões

Atualmente, estima-se que existam por volta de 4 milhões de sadhus na Índia. Por costume, são imensamente respeitados e reverenciados, já que muitos acreditam que suas práticas austeras dão a eles o poder de “limpar” seu karma e também o da comunidade onde vivem. Por isso, vistos como benéficos para a sociedade, os sadhus recebem doações e são amparados pela população.

Porém, isso não impede que alguns levem uma vida de extrema pobreza, fome e abandono. Em algumas regiões da Índia eles são vistos sob um certo grau de suspeita, particularmente em meio à população mais cosmopolita do país.

Além disso, hoje, especialmente nos pontos turísticos, muitos impostores posam de sadhus para conseguir dinheiro dos desavisados, o que prejudica a imagem dos homens sagrados de verdade, cuja história reflete um pouco – de maneira um pouco radical, mas honesta –, a busca de todos nós: o engrandecimento do espírito e a conexão verdadeira com o divino.