MUSICOTERAPIA: A CURA PELA MÚSICA

MUSICOTERAPIA: A CURA PELA MÚSICA

Supere problemas como dificuldade de aprendizado, timidez e baixa autoestima com a ajuda da terapia musical, um tratamento alternativo de saúde já reconhecido por grandes centros médicos

 

Texto • Renata de Salvi e Renata Rossi


 

Já dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que a vida seria um erro sem música. Não há dúvidas de que são sábias palavras. Os sons estão presentes em cada momento da vida. Das notas musicais, surgem sensações como criatividade, alegria ou expectativa. Das letras, se revelam histórias de vida, questionamentos sobre o cotidiano ou incentivos a um mundo melhor. É por meio dela, também, que grupos de amigos, as tribos, se identificam e se formam.

Desde os tempos remotos, a música era utilizada como elemento de sociabilização. Platão chegou a descrever um banquete em que grandes idéias eram discutidas com melodias ao fundo, para tornar a interação do grupo mais agradável. Naquele momento, os sons eram utilizados como forma de harmonizar as idéias e organizar os pensamentos. Atualmente, esse recurso pode criar um ambiente adequado para estimular o aprendizado e a troca de experiências.  
 

Cérebro e música

No livro O Efeito Mozart (Editora Rocco), Don Campbell, fundador do Institute of Music, Health and Education (Instituto de Música, Saúde e Educação) descreve a relação entre o cérebro e a música de maneira singular: “Existem muitos sistemas rítmicos e melódicos que mantêm o cérebro sincronizado. Quando qualquer parte do cérebro é danificada, os ritmos naturais deste corpo são perturbados e os neurônios podem ser estimulados no momento errado ou simplesmente não reagir. Com frequência, música, movimento e imagens externas ajudam a trazer de volta ao tom a nossa 'música neurológica'. Assim, a música atinge, misteriosamente, as profundezas de nosso cérebro e nosso corpo, despertando muitos sistemas inconscientes”.

Os estímulos sonoros agem no cérebro a partir da memória. O ritmo favorece o arquivamento de dados porque, além de as informações serem armazenadas como imagens, também são guardadas sob a forma de sons, principalmente quando se trata de palavras. Por isso a capacidade de memorização de quem estuda música é mais afiada.

Há duas correntes de especialistas que versam sobre a relação entre a música e o aprendizado. Alguns se mostram favoráveis a inserir a música na educação e afirmam que isso pode tornar os pequenos mais inteligentes. Outra corrente, embora concorde que esta arte é capaz de garantir vários benefícios, tanto para a saúde quanto para a capacidade intelectual, acredita que ainda não há nenhum estudo conclusivo sobre o tema. Entretanto defendem, assim como os favoráveis, que a música possibilita o desenvolvimento do senso crítico, da memória, da atenção e da criatividade, além de despertar e equilibrar as emoções.

 

 

Resultados comprovados


 

Pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, submeteram 144 crianças a aulas de arte em um conservatório musical. O estudo concluiu que os participantes que tiveram aulas regulares de música apresentaram 2,5 pontos a mais no QI, se comparados ao restante da turma.

Nos Estados Unidos, o Conselho de Admissão ao Curso Superior relatou que alunos com experiência em execução musical apresentaram 51 pontos acima da média nacional na parte verbal da prova e 39 pontos a mais em matemática. No estado do Texas, também nos EUA, os alunos que participam de orquestras têm resultados acima da média nos exames de aptidão escolar. Até as músicas dos Beatles se tornaram alvos de pesquisa: ao ouvir as canções, crianças de uma turma com necessidades especiais da pré-escola tornaram-se mais sociáveis, reduzindo comportamentos inadequados, como brigas no ônibus escolar.

Dom Campbell, no livro Introduction to the Musical Brain (ainda sem tradução para o português), afirma que quanto mais estímulo a criança recebe por meio da música, do movimento e das artes, mais inteligente ela será. Entre os benefícios apontados pelo autor, o ensino de música paralelamente a outras disciplinas ajuda na capacidade de leitura das crianças, no aprendizado da linguagem – inclusive de outros idiomas – nas habilidades com cálculos e, ainda, no aumento da criatividade, habilidades sociais e desenvolvimento psicomotor.

 

Nada esconde essa minha timidez

 

Os versos da canção Timidez – sucesso do grupo Biquíni Cavadão na década de 80 – contam a história de um rapaz que não tem coragem de revelar seu amor. Entre as tentativas frustradas estão um poema e uma declaração de amor em público. Tudo sem sucesso. Para completar, ele solta um desabafo: “Sei que tento me vencer, acabar com a mudez; Quando eu chego perto, tudo esqueço e não tenho vez; Me consolo, foi errado o momento, talvez; Mas na verdade, nada esconde essa minha timidez”.

Se ele tivesse cantado para sua amada, teria sido mais fácil contar o que sentia. Isso é o que afirmam os especialistas: a música funciona também como forma de extravasar sentimentos e se sociabilizar. “Todos são capazes de liberar as emoções através do som. Ao sentir-se triste, alegre ou entusiasmado, você reflete esses estados emocionais nas músicas executadas em uma sessão de musicoterapia. Dessa forma, fica mais fácil compreender os próprios sentimentos e trabalhar melhor as emoções”, explica Silmara Garcia Lobianco, musicista do Conservatório Beethoven.

Para uma pessoa tímida, por exemplo, a terapia musical eleva a autoconfiança e desenvolve a habilidade de se comunicar. Com isso, fica mais fácil fazer amigos e transmitir idéias com segurança. E para quem não tem coragem de declarar seu amor, como na música, a musicoterapia auxilia a se abrir um pouco mais para o mundo e, principalmente, a tornar essas pessoas mais dispostas a compartilhar seus sentimentos com os outros.

Segundo Izilda Rascio Marcandalli, educadora musical e musicoterapeuta do Conservatório Musical Ernesto Nazareth, a música tem capacidade de entrar “sem pedir licença”, vencer bloqueios e aflorar os sentimentos, inclusive aqueles mais escondidos. “A vivência musical mexe com nossas estruturas psíquicas, nos tornando mais equilibrados e coerentes com nosso próprio ‘ritmo’. E, depois que adquirimos essa consciência, fica muito mais fácil se harmonizar com o ritmo dos outros”, completa.

A teoria na prática

A música transformou o dia a dia de estudantes carentes que moravam em cortiços e debaixo de uma ponte, na região da Mooca, zona leste de São Paulo. Divididos em grupos por idade, os jovens cantavam e tocavam instrumentos musicais produzidos com material reciclável – como era fabricado por eles, havia sentimento embutido em cada criação. Tambores de lata de tinta ou de leite em pó decorados viravam arte na mão dos alunos. Três musicoterapeutas, entre elas a Izilda Rascio Marcandalli, promoveram os encontros. As mudanças foram sentidas em 12 sessões. Enquanto na primeira os participantes não se olhavam nem compartilhavam seu material. nos encontros seguintes notava-se uma postura diferente: já tocavam uns nos instrumentos dos outros e conseguiam dialogar e trocar as experiências musicais.
 

Superação de limites

“Aos 8 meses, Débora, a terceira dos meus quatro filhos, apresentou uma enfermidade. Em princípio, médicos achavam que poderia ser leucemia, mas descobriram que era uma doença rara, a anemia hemolítica. Faltou o chão quando soubemos. Foram anos de dedicação a ela para amenizar o sofrimento. Por causa dessa correria, deixamos de lhe ensinar algumas coisas. Com 4 anos, ela não sabia as cores e não tinha coordenação motora. Foi quando meu marido e eu lemos em uma revista que ela estava na idade do aprendizado, inclusive por meio da música. Optamos por colocá-la em uma escola de música, assim como todos os nossos filhos que aprenderam a tocar algum instrumento. Aos poucos, ela descobriu as cores, aprendia as teclas com desenhos de animais e com histórias. Na época, ela não podia fazer muitas coisas por causa da baixa imunidade. Tinha restrição alimentar, não podia conviver com muita gente por causa das infecções, nem participar de certas brincadeiras. Mas as aulas de música permaneceram. Com 5 anos, entrou na escola, já sabia as cores, estava desenvolvendo a coordenação motora. Hoje, está no 1º ano do Ensino Médio e toca órgão e teclado. Não dá para pensar na nossa vida sem música.”

Araçari Pereira de Lima, 46 anos

 

Orquestra de família

“Meu marido tocava violino desde pequeno. Quando nossos filhos eram menores, decidimos inscrevê-los nas aulas de música. Vimos pesquisas que comprovaram que essa atividade auxilia o desenvolvimento das crianças e decidimos investir. É um exercício para mente. Colocamos primeiro a Rebeca e o Mateus, com 6 e 5 anos, depois o Cléber. A mais velha era bem desligada e, com o tempo, melhorou. Tenho uma verdadeira orquestra dentro de casa. Uns tocam saxofone, clarinete, órgão, violino, outros teclado e piano. O caçula, Samuel, tem déficit de atenção e já aprende a flauta com um dos irmãos. Já na primeira série ele aprendeu a ler. Apesar dos nossos esforços, não tenho dúvida que a música teve função essencial em desenvolver o potencial, a concentração e a disciplina dos meus filhos. Eles aprenderam a tocar, antes mesmo de entrar na escola. A música é um prazer, uma satisfação para todos nós.”

Fonte: triada.com.br

Marisa de Lima Rocha, 39 anos