TODO O ENCANTO DA DANÇA INDIANA

Movimentos exóticos, gestos vigorosos e uma profunda relação com o divino: descubra por que a dança indiana é muito mais do que uma expressão artística

 

Texto • Paula Bianca de Oliveira

Fonte: Triada.com.br
 


 

Um meio exercitar-se, uma maneira de se divertir, uma ferramenta de sedução. No imaginário ocidental, a dança cumpre todos esses papéis. Porém, do outro lado do planeta, essa prática vai muito além do plano físico, pois é considerada como o caminho que leva ao divino.

Para os hindus, a dança é capaz de transformar a personalidade do dançarino e levá-lo ao êxtase, o que faz com que ele amplie a compreensão sobre sua própria natureza. Na Índia, a dança sempre foi vista como uma forma de aflorar os sentimentos mais íntimos do homem, por isso é originalmente compreendida como uma das formas mais ancestrais de magia. “Para que um dançarino crie esse magnetismo e encante o público, ele precisa, primeiramente, encantar a si mesmo, dominando sua mente e seu corpo”, explica Eliza Pierim, professora de dança indiana e bacharel em Arte Dramática pela UFRGS.

Embora uma antiga lenda hindu diga que a dança é uma dádiva do deus Brahma aos humanos, tal prática é tradicionalmente relacionada ao deus Shiva (também chamado de Senhor da Dança), a divindade mais popular da Índia. Em geral, ele aparece dançando ou em movimento no meio de uma roda de fogo – elemento da natureza ao qual está associado. Sua dança, denominada tandava, simboliza o eterno movimento do universo. Com o pé direito, Shiva esmaga a cabeça de uma figura bestial – a ignorância – e com o pé esquerdo faz um movimento ascendente, indicando a liberação espiritual. 
 

Dos templos aos palcos

Essa ligação intrínseca entre a dança e o divino confere à prática um caráter altamente sagrado. Retratando diferentes aspectos culturais do povo indiano, a dança é realizada como uma oferenda, como parte dos rituais religiosos diários ou como um importante gesto de devoção. “Um gesto da dança indiana mostra uma espiritualidade que não aparece em nenhuma outra forma de arte”, afirma Bhavana Rhya, dançarina especialista do estilo odissi.

Durante séculos, as apresentações de dança indiana foram restritas aos templos hindus, onde eram realizadas pelas maharis, ou servas de deus. Devotas do deus Shiva, elas eram oferecidas ainda meninas aos templos por seus pais, sendo consideradas esposas da divindade. De fato, elas se casavam com o Senhor da Dança em uma cerimônia semelhante ao casamento tradicional indiano.

No século 11, as maharis descobriram que podiam viver em melhores condições nas luxuosas casas da aristocracia em troca de favores sexuais aos membros das cortes. Com as esposas de deus transformadas em concubinas de sacerdotes, senhores feudais e reis, sua antiga dança foi banida da Índia e chegou muito perto de se perder no tempo.

Isso só não aconteceu porque, com a ausência das dançarinas, alguns meninos passaram a se apresentar como elas. “Graças a essa classe de jovens que se vestiam como meninas, os chamados gotipuas, a dança sobreviveu e pôde ser resgatada mais tarde”, conta Bhavana Rhya.

Mesmo assim foram necessários séculos e séculos para que essa arte voltasse a ganhar espaço – e respeito – no universo artístico do país. O movimento de resgate e reconstituição das danças clássicas indianas começou em 1936, sob o comando da bailarina Rukimini Devi.

Unida a um grupo de artistas interessados a fazer ressurgir o brilho dessa tradição, Rukimini baseou-se nos ensinamentos de velhos mestres e em um importante tratado de dança, música, teatro e literatura, o Natya Shastra – escrito por volta do século 1º a.C., pelo sábio Bharata Muni, para orientar os bailarinos indianos no renascimento dessa tradição.

A partir da compilação de inúmeras manifestações da dança indiana, surgiu o estilo conhecido como Bharata Natyam, hoje o mais popular no país. Seguindo os preceitos do sábio Bharata Muni, ele deixou de ser uma prática templária e ganhou os palcos da Índia.

Por ser uma expressão cultural que une diferentes formas de arte, essa prática também passou a despertar, no público, o prazer de contemplar a vida como uma totalidade. As raízes sagradas do Bharata Natyam surgiram há mais de dois mil anos e diz-se que é o estilo clássico mais fiel em relação às regras enunciadas no Natya Shastra. Simultaneamente, ele requer do praticante vigor e graça, equilíbrio e flexibilidade, além de grande perseverança e senso de ritmo. Saltos, giros e posturas de equilíbrio também compõem o exigente aparato técnico desse estilo.

Conhecida como um dos berços da dança oriental, a Índia possui centenas de estilo folclóricos e sete clássicos, as quais são praticadas a partir de dois tipos fundamentais de manifestações: Nirita, dança puramente técnica que objetiva o prazer estético e é baseada nas belas esculturas dos templos e em difíceis padrões rítmicos; e Niritya, dança representada, também conhecida como Abhinaya, na qual o bailarino narra histórias mitológicas do panteão hindu, por meio de um rico gestual simbólico (mudras) e de um vasto sistema de codificação corporal.

Seja qual for o estilo, a dança indiana requer muita disciplina física e mental. Além do intenso treinamento, o bailarino deve dedicar-se à meditação, jejuar, evocar o sagrado e, acima de tudo, ser devoto a ele.
 

Bharata nathyan: o estilo mais popular

De grande beleza visual e apelo espiritual, o bharata natyan é um dos estilos indianos mais praticados no Oriente e conhecidos no Ocidente. Considerada um meio de conectar o homem ao sagrado, mesmo nos dias de hoje não é iniciada sem que o bailarino peça permissão para a terra para bater com os pés no chão, saúde todos os deuses e ofereça flores a Brahma. Na foto, o estilo é apresentado pela experiente dançarina Navya Rattehalli, graduada no mais alto nível de dança clássica indiana.

 

Os clássicos da Índia

Existem centenas de estilos de danças folclóricas indianas, mas somente sete tornaram-se clássicas. Conheça cada uma delas.
 

Kathak

Altamente estilizada e sofisticada, possui complexos padrões rítmicos criados por meio do uso da planta dos pés e do controle do som com guizos. Surgiu na comunidade de Kathakar, em meados do século 17.
 

Kuchipudi

Nesse misto de dança e teatro, o dançarino equilibra um cântaro de água na cabeça, movendo-se pelo palco sem derramar uma gota. O significado é que, assim como o artista, as pessoas deveriam mover-se com alegria, indiferentes às suas dificuldades. Surgiu há cerca de 500 anos, na vila Kuchipudi.
 

Manipuri

Com movimentos fluidos e graciosos, tem o acento rítmico expressado pelo corpo, e não pelos os pés, como é comum nos outros estilos. Surgiu no século 18, na cidade de Manipuri, nordeste da Índia.
 

Kathakali

Os padrões coreográficos retratam a influência das esculturas e afrescos do século 16. Original da cidade de Kerala, reúne muitas características do teatro-dança antigo, o que torna impossível datar seu surgimento.
 

Mohiniyattam

Dança-solo que representa a essência feminina, com movimentos graciosos, ondulados e suaves. Surgiu no estado de Kerala e tornou-se popular no século 19.
 

Bharata Natyam

O estilo mais popular apresenta movimentos rítmicos que exigem muito equilíbrio e flexibilidade. Originária do estado de Tamil Nadul, consolidou-se na década de 30.
 

Odissi

Movimentos sinuosos, posturas esculturais e sensuais. Surgiu na cidade de Orissa, como forma de oferenda aos deuses e foi redescoberto no século 20.